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sexta-feira, 1 de junho de 2012

MURILO MENDES

Murilo Mendes

- Murilo Mendes nasceu em Juiz de Fora (MG), em 1901, e faleceu em Lisboa, Portugal, em 1975.
- É considerado um dos poetas mais complexos da literatura brasileira.
- Parceiro e amigo do também poeta Jorge de Lima. Juntos, produziram diversos poemas de cunho religioso e publicaram o livro “Tempo e eternidade”.
- Poeta multifacetado e de difícil classificação; pertenceu à segunda geração modernista e escreveu os mais diversos tipos de poesia: religiosa, transcendental, mística, social, experimental, surrealista, satírica, etc.
- Tinha predileção pelos versos livres e brancos.
- Entre seus principais temas figuram a eternidade, a fé, a relação espaço-tempo, a oposição Bem e Mal, o finito e o infinito e as contradições da alma humana.

Exaltando o poeta, Manuel Bandeira assim termina o seu poema “Saudação a Murilo Mendes”:

“Saudemos Murilo
Antitotalitarista antipassadista antiburocratista
Anti tudo que é pau ou que é pífio

Saudemos o grande poeta
Perenemente em pânico
E em flor.”

Em entrevista ao dramaturgo Jorge Andrade, Murilo Mendes destacava de onde vieram a inquietude e a curiosidade de sua poética:

"Ainda menino eu já colava pedaços da Europa  e da Ásia em grandes cadernos. Eram fotografias de quadros e estátuas, cidades, monumentos, homens e mulheres ilustres, meu primeiro contato com um futuro universo de surpresas. O prazer, a sabedoria de ver chegavam a justificar minha existência. Uma curiosidade inextinguível pelas formas me assaltava e me assalta sempre. Ver coisas, ver pessoas na sua diversidade, ver, rever, ver, rever. O olho armado me dava e continua a me dar força para a vida."



Vocação do poeta

Não nasci no começo deste século:
Nasci no plano do eterno,
Nasci de mil vidas superpostas,
Nasci de mil ternuras desdobradas.

Vim para conhecer o mal e o bem
E para separar o mal do bem.
Vim para amar e ser desamado.
Vim para ignorar os grandes e consolar os pequenos.
Não vim para construir minha própria riqueza
Nem para destruir a riqueza dos outros.
Vim para reprimir o choro formidável
Que as gerações anteriores me transmitiram.
Vim para experimentar dúvidas e contradições.

Vim para sofrer as influências do tempo
E para afirmar o princípio eterno de onde vim.
Vim para distribuir inspiração às musas.
Vim para anunciar que a voz dos homens
Abafará a voz da sirene e da máquina,
E que a palavra essencial de Jesus Cristo
Dominará as palavras do patrão e do operário.
Vim para conhecer Deus meu criador, pouco a pouco,
Pois se O visse de repente, sem preparo, morreria.

(Murilo Mendes)


Cantiga de Malazarte

Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo,
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos.
Não desprezo nada que tenha visto,
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola.
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos,
destelho as casas penduradas na terra,
tiro o cheiro dos corpos das meninas sonhando.
Desloco as consciências,
a rua estala com os meus passos,
e ando nos quatro cantos da vida.
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido,
não posso amar ninguém porque sou o amor,
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos
e a pedir desculpas ao mendigo.
Sou o espírito que assiste à Criação
e que bole em todas as almas que encontra.
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo,
nada me fixa nos caminhos do mundo.

(Murilo Mendes, in “Poemas”)

Futura visão

Apresentaram-me o livro da tua vida
Escrito por dentro e por fora:
Sou digno de romper os sete selos.
Logo na primeira página
Paro três anos em êxtase
Diante da tua fotografia.
A lua e o mar adormecem a meus pés.
Tudo o que evoco vai nascendo ao gritar teu nome
Berenice! Berenice!
E choro muito
Porque não existe ninguém digno de te olhar.

Alguém me segura à beira do abismo,
Contém minha impaciência e me desarma o braço:
Deverei assistir ao que se descreve no livro.
Terás que parir fisicamente e espiritualmente na desgraça,
Beberás o cálice da injúria e das abominações,
Vestida de púrpura serás sentada no trono da solidão.

Eu devoro o livro, que amarga minhas entranhas.
Glorificai-a! Glorificai-a!
Esta é a minha súplica de sempre.

O Princípio vem sobre as nuvens em fogo
E clama para mim e para todo o universo:
Tudo será perdoado aos que amaram muito.

(Murilo Mendes, in “A poesia em pânico”)

Noturno resumido

A noite suspende na bruta mão
que trabalhou no circo das idades anteriores
as casas que o pessoal dorme comportadinho
atravessado na cama
comprada no turco a prestações.

A lua e os manifestos da arte moderna
brigam no poema em branco.

A vizinha sestrosa da janela em frente
tem na vida um camarada
que se atirou dum quinto andar.
Todos têm a vidinha deles.

As namoradas não namoram mais
porque nós agora somos civilizados,
andamos no automóvel gostoso pensando no cubismo.

A noite é uma soma de sambas
que eu ando ouvindo há muitos anos.

O tinteiro caindo me suja os dedos
e me aborrece tanto:
não posso escrever a obra-prima
que todos esperam do meu talento.

(Murilo Mendes)

Novíssimo Orfeu

Vou onde a poesia me chama.

O amor é minha biografia,
Texto de argila e fogo.

Aves contemporâneas
Largam do meu peito
Levando recado aos homens.

O mundo alegórico se esvai,
Fica esta substância de luta
De onde se descortina a eternidade.

A estrela azul familiar
Vira as costas, foi-se embora!
A poesia sopra onde quer.

(Murilo Mendes)

Temas eternos

Há sempre um amor procurando seu nome
Na solidão do livro dos tempos.

Há sempre uma veste nupcial
Pendendo da guilhotina da noite.

Há sempre restos de Minotauro
A escurecer os campos tranquilos.

Há sempre um olhar espiando o horizonte,
Um olhar que não foi visto.

(Murilo Mendes)

Les Demoiselles d´Avignon. 1907. Pablo Picasso.

A morta viva

Maria do Rosário estendida no caixão
Toda vestida de branco aos vinte anos
Está cercada de angélicas e de moscas.
Seu rosto é inviolavelmente puro e simples.
Telefonam telefonam telefonam.

Inclino-me sem chorar sobre seu corpo.
Só agora lhe digo a palavra de ternura
Que ela nunca pode conseguir de mim,
A palavra que talvez justificasse uma vida,
A palavra que eu nunca tive a força de dizer.

Só agora sei que a amo, de um amor definitivo.
Só agora me descobri seu companheiro para sempre.
A eternidade irrompeu no tempo, violentíssima.

(Murilo Mendes)

Canção do exílio

Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam  gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!

(Murilo Mendes)

História

Os mares se contraem,
As nuvens esticam as asas.
O espaço abre-se em sedes e clamores
Dos que nasceram há mil anos
E dos que ainda vão nascer.
Há uma convergência de presságios
Nos jardins cobertos de rosas migradoras
E nos berços onde dormem crianças com fuzis.

O espírito poderoso que fundirá os tempos
Espera, impaciente, nos átrios celestes.

(Murilo Mendes)

O homem, a luta e a eternidade

Adivinho nos planos da consciência
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos
mundo de planetas em fogo
vertigem
desequilíbrio de forças,
matéria em convulsão ardendo pra se definir.
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades,
o mundo ainda é pequeno pra te encher.
Abala as colunas da realidade,
desperta os ritmos que estão dormindo.
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando!

Um dia a morte devolverá meu corpo,
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins
meus olhos verão a luz da perfeição
e não haverá mais tempo.

(Murilo Mendes)

Somos todos poetas 
 
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
As mãos veem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia. 

(Murilo Mendes)

"Sempre, em todos os tempos, a poesia corrigiu a crítica."

(Murilo Mendes)

"Viver a poesia é muito mais necessário e importante do que escrevê-la."

(Murilo Mendes)

www.veredasdalingua.blogspot.com.br

Leia também:

“O homem que vivia anedotas” – Luis FernandoVerissimo
António Nobre – Poemas
“O pavão” – Rubem Braga
“Os diferentes estilos” – Paulo Mendes Campos

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