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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Paulo Bomfim - Poemas

PAULO BOMFIM
Estudo de paisagem marinha com barco e céu de tempestade”, John Constable.

TRANSFIGURAÇÃO I

Venho de longe, trago o pensamento
Banhado em velhos sais e maresias;
Arrasto velas rotas pelo vento
E mastros carregados de agonia.

Provenho desses mares esquecidos
Nos roteiros de há muito abandonados
E trago na retina diluídos
Os misteriosos portos não tocados.

Retenho dentro da alma, preso à quilha,
Todo um mar de sargaços e de vozes,
E ainda procuro no horizonte a ilha
Onde sonham morrer os albatrozes...

Venho de longe a contornar a esmo
O cabo das tormentas de mim mesmo.

(Paulo Bomfim)

OS DIAS MORTOS

Os dias mortos, sim, onde enterrá-los?
Que solo se abrirá para acolhê-los
Com seus pés indecisos, seus cabelos,
Seu galope de sôfregos cavalos!

Os dias mortos, sim, onde guardá-los?
Em que ossário reter seus pesadelos,
Seu tecido rompido de novelos,
Seus fios graves, relva além dos valos.

Tempo desintegrado, tempo solto,
Fátuo fogo de febre e de fuligem,
Canteiro de sereia em mar revolto.

Em nossa carne, sim, em nossos portos,
Quando o fim regressar à própria origem,
Repousarão também os dias mortos!

(Paulo Bomfim)

SONETO V

"The Absinthe Drinker". Manet.
Alquimia do verbo. Em minha mente
Recriam-se palavras na hora vária,
A poesia se torna necessária
E as flores rememoram a semente.

É preciso que exista novamente
A aventura distante e temerária
De em ouro transformar a dor precária
E em nós deixar correr a lava ardente.

Que uma emoção profunda e mineral
Corra nos veios desta carne astral
E encontre em mim aquilo que procura.

Na paisagem que for, já sou nascido:
Nas formas criarei o elo perdido,
E, em lucidez, serei minha loucura.

(Paulo Bomfim)

SONETO XXV

Antes do fim o canto derradeiro
Evocando as pegadas de outra sorte,
Há de se erguer sobre o perdido porte 
E falar do sentido verdadeiro.

Há de lembrar a luta, o chão guerreiro,
A fraqueza vencendo a noite forte,
A vida que passou fronteira morte,
O céu subindo do despenhadeiro.

Antes do fim, o canto despedida
Se erguerá das nascentes do futuro
Evocando a batalha já perdida.

Depois... então se faça a nobre pausa,
Para que o canto seja além do muro
O efeito imaginando nova causa.

(Paulo Bomfim)

SONETO DOS MUITOS EUS

Um eu ficou no mar aprisionado
E deixou-me por pés as nadadeiras;
Outro ficou nas nuvens caminheiras,
Por isso bato os braços no ar parado.

Um eu partiu menino ensimesmado
E ofertou-me palavras verdadeiras,
Outro amou suas sombras companheiras,
Outro foi só, e um outro de cansado

Caminhou pelos becos. Há também
Aqueles que ficaram na poesia,
Nos bares, na rotina, o eu do bem,

Do mal, o herói, o trágico, o esquecido.
Eu gerado por mim na liturgia
De um todo para tantos dividido!

(Paulo Bomfim)

DO CAOS

Invento este soneto onde procuro
Surgir de um ventre de palavras novas,
Nascer de mim, de ti, de tantas provas
Que me iniciam como um deus futuro.

Modelo sensações num mundo escuro
Onde semeio o corpo pelas covas,
Berços de terra, fonte onde renovas
As vidas que guardaste com meu muro.

Enquanto pelo céu as grandes naves
Vão sangrando de azul as descobertas
E os anjos vão ficando inda mais graves,

Invento este soneto de granizo,
Ferindo em minhas folhas entreabertas
O caos que se transforma num sorriso.

(Paulo Bomfim)

“A terra, que tem bebido tanto sangue e devorado tantos corpos, dá flores vermelhas em noites azuis.”

(Paulo Bomfim)

"Em todo regresso, há sempre um pouco de despedida"

(Paulo Bomfim)

"Assobiei a música do vento e os pássaros cantaram nos meus braços.”

(Paulo Bomfim)

Do Menino

O menino, caminho de lembranças,
Bate a bola do mundo pela rua;
Traz cafezais nos bolsos, traz a lua,
E não encontra mais outras crianças!

Indaga das esquinas de águas mansas,
Do espectro dos sobrados, da falua,
Dos fastos que se foram, da alma nua
Que se vestia outrora de esperança.

O neto se disfarça em seus avós,
Retrato de memórias redivivas
E cantochão dos que ficaram sós.

Um menino entardece em suas fugas:
Que mãos o aprisionaram, tão esquivas,
Pássaro-tempo no alçapão das rugas!

(Paulo Bomfim)

De tudo quanto amamos

De tudo quanto amamos o que resta,
O riso desbotado dos retratos,
A talagarça dos momentos gratos
Ou a tristeza desse fim de festa?

Ficou por certo a ruga em nossa testa
Inventariando feitos e relatos,
E vozes e perfis somando fatos,
E a desfocada imagem da seresta.

E tudo o fogo afaga em canto findo,
Este porque de coisas devolutas,
E o tempo nômade que foi partindo.

Ficou de quanto amamos nos escolhos
A restinga das horas dissolutas,
E o mar aprisionado em nosso olhos!

(Paulo Bomfim)


Das Palavras

Somos palavras, quem nos pronuncia
E nos une em sentenças tão estranhas, 
"Little boy writing a letter". Norman Rockwell

Quem anda a soletrar pelas montanhas
Os nomes aquecendo a tarde fria?

Quem nos profere com melancolia,
Quem gesta nossas letras nas entranhas,
E nos faz caminhar entre tamanhas
Contradições da noite à luz do dia?

Ah! sopro que nos sopra sem ter boca,
Letras, quem ousaria assim tecê-las
No labirinto da garganta rouca?

Quem ousaria pois falar contudo,
Se o sangue das vogais vem das estrelas,
E as palavras se perdem num céu mudo!

(Paulo Bomfim)


Soneto I – Súdito da Noite

Não busco especiarias, sou apenas
Um corpo transformado na paisagem,
Barco de amor e morte, céu de penas,
Voo tinto de rumos e ancoragem.

Se pastoreio estas contradições
Que são agora carne e pensamento,
É porque trago a noite e seus violões
A percorrer os quarteirões do vento.

Dos passos estrangeiros crio o mapa
E a bússola escondida na lapela,
O resto é chuva desenhando a capa
Que jogo sobre o corpo da procela.

Não busco especiarias, sou somente
A mesa posta e o convidado ausente.

(Paulo Bomfim)

www.veredasdalingua.blogspot.com.br

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