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terça-feira, 12 de abril de 2011

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poemas

Sophia de Mello Breyner Andresen - Poemas

As casas

Há sempre um deus fantástico nas Casas
Em que eu vivo, e em volta dos meus passos
Eu sinto os grandes anjos cujas asas
Contêm todo o vento dos espaços.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Dia do Mar”, 1947)

Casa Branca

Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flores marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.

A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.
Em ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Poesia”, 1944)

Como uma flor incerta

"Como uma flor incerta entre os teus dedos
Há harmonia de um bailar sem fim,
E tens o silêncio indizível dum jardim
Invadido de luar e de segredos.

Nas tuas mãos trazias o meu mundo.
Para mim dos teus gestos escorriam
Estrelas infinitas, mar sem fundo
E nos teus olhos os mitos principiam.

Em ti eu conheci jardins distantes
E disseste-me a vida dos rochedos
E juntos penetramos nos segredos
Das vozes dos silêncios dos instantes."


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

"Pudesse eu não ter laços
nem limites
Ó vida de mil faces
transbordantes
Para poder responder
aos teus convites
Suspensos na surpresa
dos instantes!"


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Poesia

“Se todo o ser ao vento abandonamos
E sem medo nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar, é porque estamos

Nus em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar refloriremos
E a alma possuirá esse esplendor
Prometido nas formas que perdemos.

Aqui, deposta enfim a minha imagem,
Tudo o que é jogo e tudo o que é passagem.
No interior das coisas canto nua.
Aqui livre sou eu — eco da lua
E dos jardins, os gestos recebidos
E o tumulto dos gestos pressentidos
Aqui sou eu em tudo quanto amei.

Não pelo meu ser que só atravessei,
Não pelo meu rumor que só perdi,
Não pelos incertos atos que vivi,

Mas por tudo de quanto ressoei
E em cujo amor de amor me eternizei.”

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar"


"Fiery dance". Andrew Atroshenko
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

"Aqui nesta praia onde

Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente

Encontra a própria liberdade."

 

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

“Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero 

Nenhuma ausência é mais funda do que a tua"

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

"Quero
Nos teus quartos forrados de luar
Onde nenhum dos meus gestos faz barulho
Voltar.
E sentar-me um instante
Na beira da janela contra os astros
E olhando para dentro contemplar-te,
Tu dormindo antes de jamais teres acordado,
Tu como um rio adormecido e doce
Seguindo a voz do vento e a voz do mar

Subindo as escadas que sobem pelo ar."

 

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

“Quando à noite desfolho e trinco as rosas 
É como se prendesse entre os meus dentes 
Todo o luar das noites transparentes, 
Todo o fulgor das tardes luminosas, 
O vento bailador das Primaveras, 
A doçura amarga dos poentes, 
E a exaltação de todas as esperas.”


(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Porque

"Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam, mas tu não."

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Sua Beleza
"O bracelete de pérolas". Anna Marinova.

"Sua beleza é total  
Tem a nítida esquadria de um Mantegna 
Porém como um Picasso de repente 
Desloca o visual 

Seu torso lembra o respirar da vela 
Seu corpo é solar e frontal 
Sua beleza à força de ser bela 
Promete mais do que prazer 
Promete um mundo mais inteiro e mais real 
Como pátria do ser"


(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “O Nome das Coisas”)


Soneto à maneira de Camões

Esperança e desespero de alimento
Me servem neste dia em que te espero
E já não sei se quero ou se não quero
Tão longe de razões é o meu tormento.

Mas como usar amor de entendimento?
Daquilo que te peço desespero
Ainda que mo dês — pois o que eu quero
Ninguém o dá senão por um momento.

Mas como és belo, amor, de não durares,
De ser tão breve e fundo o teu engano,
E de eu te possuir sem tu te dares.

Amor perfeito dado a um ser humano:
Também morre o florir de mil pomares
E se quebram as ondas no oceano.


(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Poemas escolhidos”)


De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

As ondas quebravam uma a uma
Eu estava só com a areia e com a espuma
Do mar que cantava só para mim.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

A pura face

Como encontrar-te depois de ter perdido
Uma por uma as tardes que encontrei
O ser de todo o ser de quem nem sei
Se podes ser ao menos pressentido?

Não te busquei no reino prometido
Da terra nem na paixão com que eu a amei
E porque não és tempo não te dei
Meu desejo pelas horas consumido

Apenas imagino que me espera
No infinito silêncio a pura face
Pr'além de vida morte ou Primavera
E que a verei de frente e sem disfarce

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Dia de hoje

Ó dia de hoje, ó dia de horas claras
florindo nas ondas, cantando nas florestas,
no teu ar brilham transparentes festas
E o fantasma das maravilhas raras
visita, uma por uma, as tuas horas
Em que há por vezes súbitas demoras
Plenas como as pausas dum verso

Ó dia de hoje, ó dia de horas leves
Bailando na doçura
e na amargura
De serem perfeitas e de serem breves

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

De um Amor Morto

"A carta". Jack Vettriano.
De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do ano

De um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam embora

Pois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora 


(Sophia de Mello Breyner Andresen, in "Geografia")

Para atravessar contigo o deserto do mundo

Para atravessar contigo o deserto do mundo
Para enfrentarmos juntos o terror da morte
Para ver a verdade para perder o medo
Ao lado dos teus passos caminhei
Por ti deixei meu reino meu segredo
Minha rápida noite meu silêncio
Minha pérola redonda e seu oriente
Meu espelho minha vida minha imagem
E abandonei os jardins do paraíso
Cá fora à luz sem véu do dia duro
Sem os espelhos vi que estava nua
E ao descampado se chamava tempo
Por isso com teus gestos me vestiste
E aprendi a viver em pleno vento

(Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Livro Sexto”, 1962)

O Jardim e a casa

Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

Se

Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na luta por um bem definitivo
Em que as coisas de amor se eternizassem.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

www.veredasdalingua.blogspot.com.br

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